Ora andamos nós tão absortos nos nossos problemas e hercúleos trabalhos, que nos esquecemos de olhar em volta para a sociedade que nos rodeia, assim como para as preocupantes notícias que, de forma absolutamente sensacionalista, mas completamente isolada, nos entram pela casa dentro pela janela mágica.
Estava eu descansado no outro dia a enfiar uma garfada de uma comida qualquer à boca, deleitando-me com o sabor de uma qualquer iguaria, quando de repente a TVI, na sequência do seu Jornal Nacional (por falar nele, onde anda a Manela?!?), nos envia a todos uma bojarda: o Governo está, de acordo com a sua maioria absoluta, a preparar um projecto-lei no qual retira ao Procurador Geral da República qualquer força de acção investigativa e judicial, delegando as funções de definição do que merece ou não ser investigado, e por quem, nas mãos de um suposto Secretário Geral da Segurança Interna, a ser nomeado pelo Primeiro-Ministro e a estar debaixo da alçada e ordens deste. Mais, este senhor ainda deterá o poder (ou será o PM???) de decidir qual a força de autoridade responsável pelas investigações, podendo ainda parar uma investigação em curso, ou redefinir os rumos a tomar...
Ora pode ser de mim, mas esta é de longe a medida mais atentiva contra o estado de direito e de separação de poderes que eu já vi na minha curta vida.
Não contente com este facto (não mais badalado ou veiculado desde então), vem-me no dia seguinte a TVI atrapalhar o jantar com mais uma notícia, esta subversivamente aceite por todos nós, pelo menos parcialmente, na nossa quotidiana vidinha: o Estado vai ficar capacitado, por uma lei actualmente em preparação, para fazer vigilância vídeo e telefónica a qualquer cidadão, sem necessidade de uma ordem judicial, e portanto sem controlo sobre as instituições responsáveis por estas investigações.
Se todos nós já aceitamos máquinas pendoradas em tudo quanto é sítio, em nome da nossa segurança, mas que não realmente serventia prática (veja-se o caso do assalto aos multibancos, filmado, editado e transmitido por Carnaxide), já as escutas telefónicas são uma intrusão na vida pessoal de cada um, e uma privação das liberdades individuais, pois a expressão dos nossos pensamentos mais íntimos deixa de ser possível ao telefone, a desabafar com um qualquer amigo, pelo perigo de alguém estar do outro lado a escutar e gravar (e tudo o que disser poderá ser e será usado contra si em tribunal...). E já agora, acerca de uma obra que devia ser ensinada na escola, para educar consciências para a importância da liberdade e o perigo da autocracia, em 1984 (também há em filme...) todos os cidadãos sofrem uma constante vigilância vídeo e audio, a fim de evitar criminalidade. Abdicar da liberdade em favor da segurança é criar uma prisão invisível e definhadora, que ataca a essência de ser humano. Se não podemos ser nós próprios, apenas seremos o que nos mandarem ser...
Mentira? Veja-se o caso do professor Charrua, que mesmo sendo absolvido no processo disciplinar que foi envolvido pelo comentário indecoroso que teve com um amigo acerca do PM, foi enviado sem apelo nem agravo para a função lectiva, depois de passar tantos anos em serviço administrativo ( o que terá ele a oferecer agora aos seus alunos?). Será que algum qualquer operário que tenha subido à função de administração de uma qualquer fábrica seria capaz de voltar satisfatoriamente à linha 20 anos depois???
As evidências são muitas, a corrupção evidante e os motivos que levam a estes acontecimentos quase nos saltam à vista se estivermos atentos. Confiar em homens cegamente sempre foi contraproducente. A ganância não é defeito, é característica de todos os humanos; alguns ainda não passaram pela oportunidade de a sentir, mas todos a temos cá dentro a latejar. Conscientes de nós, podemos mudar-nos. Com ideias falsas e vãs de santidade, estamos condenados a cair como sociedade.
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