Monday, 25 February 2008

OBJECTIVOS INDIVIDUAIS (Anónimo)

OBJECTIVOS INDIVIDUAIS

Agora que o ano começa,
E para que comece bem,
Vou fazer uma promessa
Ao meu pai e à minha mãe:
Cumprirei os cem por cento do meu serviço lectivo,
Os mui nobres objectivos do apoio educativo,
O serviço não lectivo, sempre de olho bem vivo,
Para ter pontuação máxima do conselho executivo.
Serei a melhor a melhorar, os resultados de alunos,
E nunca mais dormirei, se isso significar, provar por A+B
Que sou eu quem mais consegue abandonos evitar.
E ainda, coisa pouca, vou participar que nem louca,
Na vida do agrupamento, actividades e festas,
Projectos curriculares, extracurriculares,
Tudo o que me ordenem chefes e titulares,
Andarei em roda-viva, somando pontos à toa,
Não quero que nada me escape, que eu cá sou muito boa
E bem pouco dada a ais,
Quando defino e cumpro objectivos pessoais.
Serei moça empenhada,
Cheia de qualidade na minha participação,
E não haverá nenhum chefe
Que não repare em mim e em toda esta dedicação.
Já nos órgãos de gestão, estruturas de orientação,
Função de avaliador, de mestre coordenador, pontitos não posso ter...
Não quis ser titular e portanto por aí, não há nada a fazer
Mas livro-me, sim senhor, de ser bem investigada,
Com pormenor e rigor, pelo senhor inspector.
Promessas p'rá formação, não sei se as posso fazer,
Com o trabalho do mestrado não me sobra qualquer tempo,
Mesmo que durma pouco e ande sempre a correr...
Mas tentarei, ind'assim, ter máxima pontuação,
Na avaliação de projectos, dos de investigação,
Cheios de inovação da coisa educativa,
Que eu por mais que me sufoquem,
Esbracejo e venho à tona, tentando ser criativa.
Prometo relacionar-me, com toda a cordialidade,
Com todos e mais alguns, escola e comunidade,
Ter sempre o máximo dos pontos, sorrir a sérios e tontos,
Desenvolver contra a náusea, toda a minha imunidade.
E preparar, organizar, realizar as actividades lectivas,
Para que o chefe me dê, sempre sem hesitar,
Os quatro máximos pontos,
Seja qual for o parâmetro que esteja a considerar,
Cumprir objectivos, programas, tudo correcto sem falhas,
Disfarçando bem as gralhas,
Usar muitos materiais,
Ter em ordem dossiers e estimular tudo mais,
Mesmo agora sem ter tempo para as aulas preparar.
E para ele me pontuar, maximizando o número,
A relação pedagógica, nas aulas que for visitar,
E se convencer também que sou boa a avaliar,
Recorrerei ao açúcar, chocolates, rebuçados,
Gelados e mais recompensas, promessas e ameaças,
Feitiços e outras graças que eu não sou de brincadeiras,
Ou bem que os miúdos ajudam, p'ra ninguém me mal grelhar,
Ou bem que se fritam eles se não querem ajudar.
E na auto-avaliação direi o melhor de mim
Que se a gente não se amar,
Quem de nós irá gostar tanto, tanto, tanto assim?
No fim de tudo isto, se não garantir um excelente,
Porque não há lugar na cota e é inconveniente,
Morderei de novo a raiva, farei um sorriso contente
Será melhor prevenir, despeço-me por mais dois anos,
Na esperança do que há-de vir,
Que a coisa definhe e morra de enfarte e estupidez
E que eu sobreviva à dita,
Sem ter ferido o amor que aqui me trouxe e me fez
De alma e coração, acordada e alerta,
Contra todos os absurdos, sem me vergar com a dor
Defender com toda a força,
A coisa séria que é isto de ser professor.
Agora que o ano começa,
E para que comece bem,
Vou fazer uma promessa
Ao meu pai e à minha mãe:
Prometo ser forte e lutar para que o pesadelo descrito
Não me afogue a inteligência,
Não me contamine o corpo,
Não me deforme o sorriso,
Nem me impeça de sonhar...

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